Comer em família é um ritual que nos aproxima e nos ensina sobre convivência


Nesta partilha olho no olho, não deixamos a afetividade esfriar

Na comédia “A Cegonha Não Pode Esperar”, de John G. Avildsen, a adolescente Darcy, vivida pela ruivinha Molly Ringwald, descobre que está grávida aos 16. Ela acredita que, se comunicar a situação aos pais da maneira mais corriqueira possível, pode evitar uma reação dramática, sem grandes alardes. Assim, durante o jantar em família na noite de Ação de Graças, Darcy enche-se de coragem e diz: “Estou grávida. Me passa os nabos?”.

Refeições em família têm mesmo um pouco disto: combinam conversas triviais com assuntos importantes, intimidade com estranhamento, risadas e discussões, macarronada com “você não sai daqui se não comer os legumes”. Hoje, quando podemos bloquear, nas redes sociais, publicações de pessoas com as quais não concordamos, os parentes acabam sendo a única esfera na qual precisamos conviver com a diferença.

Pois é, quem diria – a família nuclear é o que nos tira da bolha. Dizem que amigos são a família que a gente escolhe. Partindo do mesmo raciocínio, pai, mãe, irmãos, tios seriam, então, amigos impostos que precisamos aturar. E isso pode ser desconcertante e maravilhoso ao mesmo tempo.

Em algumas culturas, o ritual de comer com avós, pais e primos reunidos é, veja só, ancestral. “Anterior à própria mesa”, afirma a historiadora Mariana Corção. “No Ocidente, o hábito de fazer as refeições com os seus à mesa se popularizou na cultura burguesa do século 19, que cultuava as relações familiares e a vida privada”. Era o prenúncio dos comerciais manjados de margarina que vemos na televisão, com uma família de classe média que acorda alegre, magra e bem-vestida, para tomar o café da manhã em conjunto, diante de uma mesa excepcionalmente farta. Por sua vez, a ideia da mesa como o lugar adequado para a refeição teria se firmado ainda na Antiguidade. “Em Roma, era o local em que ficava exposta a comida. Vem daí a expressão está na mesa”, conta Mariana. Com o tempo, o móvel se cobriu de sacralidade. Expressões como “mesa do rei”, “mesa dos despachos” e “mesa do tribunal” associam essa plataforma com o lugar do conselho, da sentença e do exame decisório, como lembrou Luis da Câmara Cascudo em A História da Alimentação no Brasil (Global).

Os simpósios dos gregos e romanos foram, então, substituídos pelo ritual cristão da comunhão do pão em torno de uma mesa, como revelam grande parte das representações da última ceia – antes, os homens comiam debruçados, deitados em divãs. E passaram a se alimentar sentados. “A oração abria e fechava o ritual”, acrescenta a historiadora.

De todo modo, o ritual familiar da alimentação compartilhada se tornou um momento propício para a afetividade, um descanso da vida exterior, em que se pode desfrutar daquele tempero caseiro e daquela convivência já tão conhecidos.

Fonte: http://vidasimples.uol.com.br/